Danae

Danae
Klimt, Gustav

sábado, dezembro 27, 2008



No dia em que morri, pouco antes propriamente de morrer, lembro que a dor era muito grande, foi a maior dor que já senti. Começara dias antes, não sei bem ao certo quantos, mas os sinais foram se espalhando pelo corpo um a um. Hematomas pela pele, fisgadas nas extremidades, uma falta de ar indescritível, pontadas no peito e o cansaço de uma longa e difícil vida. No dia de minha morte, poucos minutos antes, eu já pedia pra partir depressa, o mais rápido que pudesse, pois continuar daquela maneira era torturante e para alguém tão pobre e sem recursos o melhor era evaporar e poupar mais dor, para si e para os demais. Então morri. Mas antes disso, segundos antes disso, a dor se foi. Como o milagre que nunca cheguei a pedi por não mais acreditar, a dor deixou de existir. Ou será que já não conseguia mais senti-la? Morrer dói muito. É a maior dor que se pode ter. Viver não dói nem um terço, por pior que seja a qualidade da vida. Mas depois que se morre a dor acaba. Não se é tomado por um alívio e sim por um buraco completamente vazio e escuro. Custa-se a entender onde está e como respirar lá dentro, até que os sentidos todos se adaptam as novas formas das sensações e começa-se a perceber que pode haver calma no meio de tanto ausência, pois nada mais pode lhe faltar já que está morto e não necessita de mais nada. Daí lhe oferecem outra chance de viver. O problema de viver novamente não é a readaptação ou os percalços tão sutis da vida – que só percebemos o quão sutis depois da morte. O problema de viver novamente é a certeza da possibilidade de sentir novamente a dor da morte. E tudo isso para quê? Não, não há nenhum céu a sua espera.

domingo, dezembro 14, 2008

Isso aqui nunca foi literatura


Permito-me não mais refletir profundamente sobre a vida e os sentimentos, sejam os meus ou os alheios. Há um ar de indiferença nítido em meus olhos e em meu quase sorriso. É bem verdade que nunca fui de rir muito, primeiro pelo tamanho das bochechas (reduzidas a menos da metade), segundo pela tristeza, parte integrante da minha pessoa – ingrediente ao qual decidi não mais lutar contra por me ver derrotada em todas as batalhas. Decerto não há de ser algo que inexiste em mim o vencedor dessa contenda.
Quero-me assim, já que existo e à isso não posso modificar.
Quero-me inerte, semi-acordada, como quem nada teme porque nada deseja, nada pede para não sofrer a dor de negarem-lhe ou a de perder.
É assim que estou. Não sei por quanto tempo. Só sei que sempre que a possibilidade das batidas me chega próxima à porta, faço-a desviar com o olhar de quem não suporta mais o preço que se paga pra viver.

domingo, dezembro 07, 2008

Li num livro

" A felicidade é uma ilusão de ótica, dois espelhos que refletem entre si a mesma imagem ao infinito. Nem tente buscar a imagem original, não existe nenhuma.
Não diga que a felicidade é efêmera. O sentimento que se sente e é tomado como felicidade quando se está apaixonado , quando se teve sucesso em alguma coisa, é uma liberdade condicional antes de conhecer a pena: o ser amado não se parece com nada, o que você conseguiu não serve para nada. Isso não a faz infeliz, mas consciente. A felicidade não acaba, ela apenas se retifica.
Nós inventamos a luz para negar a escuridão. Colocamos as estrelas no céu, plantamos postes a cada dois metros nas ruas. E lâmpadas dentro de nossas cassas. Apague as estrelas e contemple o céu. O que você vê? nada. Você está diante do infinito que o seu espírito limitado é incapaz de conceber, de forma que você nada mais enxerga. E isso o angustia. É angustiante estar diante do infinito. Fique calmo; os seus olhos sempre encontrarão estrelas obstruindo a trajetória deles e não irão mais longe. De forma que o vazio dissimulado por elas será ignorado por você.
Apague a Luz e arregale os olhos ao máximo. Você nada verá."

"Desenganada antes do tempo, vomito sobre os sentimentos artificiais. O que a gente chama de amor é apenas o álibi consolador da união de um perverso com uma puta, é somente o véu rosado que cobre o rosto assustador da Solidão invencível. Vesti uma carapaça de cinismo, meu coração é castrado, sou a Dependência lamentável, a zombaria do Engodo universal; Eros com uma foice enfiada na sua alcova. Amor, isto é tudo que a gente encontrou para alienar a depressão pós cópula, para justificar a fornicação, para consolidar o orgasmo. Ele é a quintessência do Belo, do Bem, do Verdadeiro, que remodela a sua cara escrota, que sublima a sua existência mesquinha. Os escritores prediletos, o mal estar de viver, o porquê de sair todas as noites, a primeira noite, seguida de outras mis, não ter mais nada o que dizer, foder pra preencher os vazios, perder até a vontade de foder, se afastar, mas ficando mesmo assim junto, brigar, se reconciliar escondendo que no fim existe o tudo e o nada, ir foder com outras, e depois mais nada. Sofrer..."


Hell-Paris 75016 [Lolita Pille]

sexta-feira, novembro 28, 2008

Eita!

http://www.fja.rn.gov.br/fja_site/navegacao/ver_noticia.asp?idnoticia=129

Esse era o motivo do blog ter ficado cerca de um mês fora do ar...
Se é que alguém reparou...
Eu não tava dando muita bola pra esse concurso, mas Adélia disse que eu deveria ficar feliz, então eu fiquei ;)
Depois (se eu tiver paciência) arrumo um jeito de identificar os 10 poemas que eu inscrevi. Estão todos por aqui, cada um em seu lugar...


°
Eu ainda estou pensando se continuo.
Com o blog, com a rotina, com as pessoas, com o ato doloroso de escrever, com tudo mais...
Sempre achei admiráveis as pessoas que desde cedo aparentam saber o que querem da vida.
Profissão, cor do estofado, sobre tom das cortinas, peixe ou carne, balada ou praia, cerveja ou caipirinha...
Eu gosto de quase tudo um pouco e das coisas que eu gosto muito, gosto por pouco tempo.
Já cheguei a pensar em desvio de caráter. Acho que a psicanálise poderia definir assim. Eu não tenho certeza. Aliás, ter certeza é algo muito complicado. Tão complicado quanto responder à um "Como você está?" Sempre entro em pânico quando me fazem tal pergunta, ainda mais quando é alguém conhecido, amigo. Complicado! Quem quer saber mesmo como você está, se você está feliz ou pensando em se jogar da ponte?
Eh, eu complico. Celso disse que eu complico, ele deve estar certo.
Eu nem ia escrever nada, estou aqui entediada (depressão pré-festas de final de ano). A TV diz que eu devo sorrir e mostrar o que há de melhor em mim, porque é Natal e os anjinhos blá, blá, blá...
Mas a verdade é que estou sem dinheiro (e quando eu digo sem é sem mesmo) e isso não deveria, mas me deixa mal. Afinal, a nossa sociedade engendrou tudo bem direitinho pra fazer nossa vida parecer só ter sentido quando estamos com dinheiro no bolso, saúde e com um amor do lado. Quem consegue isso tudo ao mesmo tempo?
Enfim, eu estou com saudades de um abraço e de um beijo específicos... Está me dando medo tanta distancia assim... Enfim!
Está acontecendo na cidade o III ENE e ontem a noite assisti ao show ótimo do Arnaldo Antunes. Hoje terá Orquestra, mas a minha vontade de sair de casa anda uma coisa de louco, embora ficar aqui às vezes pareça pior.
Oh! Casar, assobiar ou comprar uma bicicleta? De volta ao ponto de partida.

Carolina Miquelassi

quarta-feira, outubro 29, 2008




Através das palavras que ele acabara de lhe dizer, pode perceber o quanto estava equivocada sobre quase tudo em sua vida, a começar por essa mesma capacidade de avaliar o certo e o errado. O que queria enxergar como cura era tão somente uma fuga covarde da realidade. Sem dúvidas que precisava refletir, curar, reaprender. Sobretudo seu conceito de aprender. Aprender a amar. Amar sem tanta dor, sem que pareça um eterno roçar de feridas em carne viva, sempre expostas. Mas haveria tempo para tudo? Curar, secar, amar e, sobretudo saber se é capaz de amar? E depois de descobrir...

Preciso aprender que lugar de caneca de café é longe do teclado do computador.
Por enquanto vou sentindo cheirinho de café frio enquanto digito...

sexta-feira, outubro 24, 2008


Descobri que o que me faz pensar ser poeta nunca foi a paixão e sim a dor


Lanço a taça de cristal contra a parede
Com medo que me quebre nas mãos
e os cacos me cortem por cima das cicatrizes.

Lanço a taça contra a parede e choro sobre os cacos “derramados”.
Lanço a taça contra a parece e me consolo com o sangue
entre os cacos, entre as mãos.

Mais cicatrizes,
mais cacos,
menos taças,
mesmas mãos.

Carolina Miquelassi



Quem colocou esse muro
onde ontem
havia um abraço?
Decerto eu o ergui
com gestos mudos e herméticos
compostos pelas palavras que me vieram à boca,
mas não disse.
Esqueço-me que a matéria das coisas todas
é muito diversa da minha
matéria de sombra e sal
na qual tudo que se cala
ganha maior gosto e relevância,
cresce na forma e agiganta-me,
mas deforma o sentido do olhar.
Quem colocou esse muro
onde ontem
havia um abraço?
Decerto eu...

Carolina Miquelassi

terça-feira, outubro 21, 2008



Não poder sentir

sob hipótese alguma

o sangue nas veias gélidas,

o sorriso petrificado nos cantos da boca,

o coração a bombear instintivo,

sem sobressaltos

ou qualquer descompasso.

Enfim a dor latente,

a dor de não sentir

o dor de não doer,

a dor de não viver inteiro

e inteiramente ser

apenas

a dor

do nada.

E já não dói,

mas há o frio repuxar

do músculo inerte,

da carne exposta

em contato com o ar

que parece que anuncia:

velas no peito

um cadáver a respirar.


Carolina Miquelassi


°

Qualquer semelhança com minha vida real, rogo que seja mera coincidência.

domingo, outubro 12, 2008



Meninos, homens, mulher ao meio. Sinto-me docemente confusa. A vida, quando vivida, nos ensina a cada dia sobre como podemos ser, nunca sobre como somos, porque não me parece que permanecemos por muito tempo iguais a ponto de podermos dizer por tempo maior que a duração da frase dita – Eu sou!
Percebo certezas expressadas em rostos, palavras, atitudes alheias e sigo a me perguntar se tudo que vejo é simulação ou se sou eu a única a permanecer sem convicção alguma. Tudo me é alvoroçadamente mutável. Mal respiro sendo quem fui e já não sei o que posso estar sendo quando pensei que era e já não há o que ser...
Como posso esperar do mundo – tão perecível – segurança e sensações permanentes se sou prova cabal da ineficiência dessa tentativa de permanecer? E um estalo seco como galho que se quebra com peso de macaco gordo, a única permanência possível é a da contínua transformação. Mas claro, sei bem... Eu não descobri essa pólvora. Alguém certamente já proferiu tal pensamento brilhante. Alguém certamente já pensou também estar sendo o primeiro a tê-lo e a sentir-se assim. Todos humanamente enganados e repletos de certezas transformadoras. Como somos jocosamente previsíveis mesmo nunca nos sabendo agora.

Carolina Miquelassi

quinta-feira, outubro 09, 2008



fugit, fugit...


O tempo presente se alonga.
Vive-se sem fim. Sem fundo.

Não corre, pois é
corrido. Corroído,
seguro pela fé(rugem).

Longo presente vivido,
curt(id)o. Ao sabor do vento

o tempo. Transpassa
o passado, mas não enlaça
as mechas do porvir.

Viver o tempo metade
Pra não perder sua areia
Segura na mão – saudade –
perdida no meio dos dedos
vertida no meio dos medos
de não viver de verdade

Carolina Miquelassi

PS:

O poema acima foi descaradamente e consentidamente plagiado

do poema Num sopro II.

E no dia de hoje ele me (re)caiu como uma luva cheia de formigas lava-pé.



sábado, setembro 27, 2008




Não tenho nomes. O que amo não é amor e o fogo que não me arde é a mais intensa de todas as pré-históricas chamas. Essa calma não atende quando lhe chamam. Não há pias batismais, águas ou óleos. Nada unge e, no entanto é absolutamente divino, numa terra em que não há deuses e todos os são. Não quero fazer uso de nenhuma palavra já conhecida para designar o que tenho em mim agora. Todos os sentidos do amplo vocabulário romântico foram esvaziados pela superficialidade e vulgaridade de seu uso. O que tenho em mim não existiu jamais até então. No meu mundo, o que se vê, sente e respira agora é único, inimaginado, inacreditado e insistente em existir dentro de todas as possibilidades contrárias. O que sinto me proporciona a paz sempre desejada e que nunca esperei possível no amor, muito menos na paixão. O que sinto, sei, não é eterno. Tem dia e hora pra acabar, porque não é mais que fase de transição entre a antiga ataraxia e outra coisa que ainda desconheço. O que sinto é mais raro e próprio por trazer consigo a lucidez de seu trajeto, a lucidez de meus sentidos, de minhas palavras, de minhas saudades, de minha paz.
Eu preciso te dizer, preciso te escrever antes que não seja mais nada disso e que já tenha passado a nossa caravana policromática de felicidades pequenas, em gotas que transbordam quando nadamos nelas. Uma vez nela nos perderemos e surgiremos banhados de luz em outro lugar completamente novo e de lá partiremos, juntos os separadamente juntos, mas o que se deu num de nossos dias, num átimo de nosso tempo, no amplo espaço dos poucos dias de nossas vidas, isso existirá e nenhuma eternidade, com toda a sua sabia velhice, conseguirá dar cabo.

Carolina Miquelassi

terça-feira, setembro 23, 2008




Quando não se deseja que o contato com o corpo acabe e as horas junto parecem ter sido minutos ligeiros e distantes... A saudade do que se sente ainda aqui de tão breve o tempo e espaço da despedida. Ficam as mãos ainda nas minhas, o cheiro por todos os lados, a voz, o sorriso, os beijos... Fica a presença suspensa quanto mais ausente se faz.


quinta-feira, setembro 18, 2008




Cheiro de boca, adorno, saliva doce.
Vem com febre,
vem com fome,
vem em brasa,
vem, me come.
Casa minha carne em seus dentes,
adormece minha insônia de mordidas,
sorve essa carne em carne-viva,
abranda-me a pele em flor.

Carolina Miquelassi

°

segunda-feira, setembro 15, 2008

Só a insanidade governa os trotes do meu
coração-cavalo-alado


Carolina Miquelassi

quinta-feira, setembro 04, 2008

deixa o Lira falar agora

"A paixão é um mar
Parabólica
Dilatada
Estrada que dói
Encanto de flor
Labirinto
Espera de redes
Parece toda raiz
Só raiz
Quando não canta o trovão
Transfiguração"


°
Recado aos desavisados esporádicos ou freqüentes.
Eu não escrevo para obter opiniões alheias. Se elas vêm, as leio e meu ego dita se serão aceitas ou apagadas. Não preciso da aceitação de estranhos ou conhecidos. As opiniões amigas me agradam e as de quem não conheço também, mas os anônimos não falam nada pra mim. Não escrevo senão por pura necessidade de evitar uma auto combustão interna (talvez também externa, nunca se sabe). Escrevo quando não agüento mais ouvir dentro da minha cabeça as mesmas frases que me sussurram em desespero num pedido por serem remanejadas para outro lugar. Escrevo pra poder dormir, saio da cama e escrevo pra poder voltar a dormir. Escrevo pra secar as lágrimas e paixões. Não possuo pretensões literárias ou poéticas. Se as tive, o tempo tem se encarregando de deitar por terra uma a uma.
Como já ouvi em algum lugar; Não gostou, não lê! É o que faço com as dezenas de blogs aos quais chego, os que me agradam nem sempre recebem comentários, porque acredito que pouco se tem a dizer ao autor de um texto que nos emociona, ainda mais quando desconhecido. Poucas vezes fiz isso, dificilmente repetirei. A intenção de ferir por pura satisfação não faz parte das minhas taras, essas são bem menos ofensivas. Eu não quero agradar ninguém. Se quisesse, não tentaria isso escrevendo.

Carolina Miquelassi

segunda-feira, setembro 01, 2008

Nada é belo na falta de amor.



quem pudesse ouvir os silvos de dor daquela mulher na mais alta e escura madrugada de sua vida, jamais compreenderia como se plantara em seu peito, alma e corpo tamanha dor e aflição. Roxa de todos os sentimentos podres e carnais, amarela de toda sua própria e máxima culpa, não sabia pra onde direcionar sua mente, alma ou coração. Não os julgava mais possuir, não sabia mais o significado de nenhum verbo que empregava, muito menos dos tempos que lhe consumiam em buscas de fantasmas antigos e novos, ainda frescos da mais maldosa vida. Quem pudesse sentir o calor das lágrimas daquela mulher que não sentia mais nada e estava muito bem nisso, mas que se viu sem saber como por onde ter deixado entrar um invasor sorrateiro e pueril nas suas vestes mais intimas e perfumadas... não saberia o que lhe dizer. Ninguém poderia lhe ofertar um sopro de conforto que bastasse para lhe tirar a vida tão dolorosa a qual tinha regressado sem se dar conta, até então. Poderia voltar? Se perguntou tantas vezes. Tantas e tantas até seus lábios murcharem de tão frios e ressecados, gotas de sangue escorrendo pelo queixo, empapando a camisa. Todos os líquidos dolorosos e medonhos de seu corpo. Queria, naquele mísero instante, derreter enquanto queimava e tornar doce qualquer mulher que pudesse pensar ou sonhar em ter a dor de uma vida perdida por paixões malfadas e patéticas, pobres de tudo que poderia ter, podres da raiz à folha última. Sem lágrimas, sem sangue, ela já não é. Verbo nenhum poderia dizer aquela pasta de ossos e carne vazios de vida e brilho. É essa vela na ventania toda a luz que há. Nada. O problema é tudo que nada.

Carolina Miquelassi

°
http://br.youtube.com/watch?v=wW9JM49CqmU&feature=related

quinta-feira, agosto 28, 2008




Lapsos recordativos passados, futuros, com um insistente intervalo reticente

Minha paixão usa batom vermelho e sai pela madrugada a procura de uma dose dupla de gim e algo para esquecer. Minha paixão lambe a própria orelha enquanto adormece. Cala-me indecências molhadas que não posso me negar a ouvir. A paixão tortura-me às lágrimas e não me deixa descansar. Gasta meus dedos em pulsares frenéticos e exaustivos, queima a chama de meus olhos em escuridões poluídas de abandono.

Carolina Miquelassi

domingo, agosto 24, 2008

Nos dias em que não consigo ser eu perante os outros,
enfio-me por dentro...
por dentro de mim, dentro do meu quarto,
pra dentro das minhas palavras compostas de grandes lapsos sentimentais,
vazios de areia e silêncios arrependidos.

Carolina Miquelassi

quinta-feira, agosto 21, 2008


O menino brinca defronte ao portão.
Poucas meias-dúzias contam sua vida,
um doce numa das mãos,
na outra os dedos abertos, estendidos pra mim.
............................................................
[- A poesia voltou
E eu dei por conta a sua chegada.
Não foram os sons dos passos pequenos em correria
Foi algo em mim que queimava
Foi algo em mim que se ria.]
.............................................................

Do lado de lá do portão
o menino – brincadeira – desafia
o limite da passagem bloqueada,
brinca de querer entrar em mim.
Segurado as firmes grades de ferro soldado,
hora a ir, hora a voltar,
jogando, matreiro e ingenuamente
cartadas de sorriso a me provocar.
Estende os bracinhos por entre os espaços
e parece conseguir me tocar.
A pele esquenta, arrepia, umedece...
Num estalo!
A tranca, já descerrada,
parece só aguardar
o instante da invasão autorizada.

Carolina Miquelassi
21.08_01:23

segunda-feira, agosto 18, 2008

O que você saberia se demorasse um pouco mais o olhar
Quer saber, vou mimbora pra terra dos não desejos. Pro paço onde meus tic-tacs não marquem o tempo que já é muito tarde. Vou pro chão de terra batida onde cada ponteiro desenhado na parede não simbolize um adeus cravado no meu pulso, desenhado em linha horizontal por puro desconhecimento do método. Vou procurar a instância que me resguarde a devida distancia de desventuras abrasadas. E o ar que eu venha inspirar seja matutino e transparente de solidões distantes. E leite que eu venha beber me inunde e reaqueça por dentro como aquele das tetas que derramaram por mim o único sentimento que me pode fazer criança. Essa agonia baiana quer se poluir da água doce mineira. Essa psicodélica urbana quer se embrenhar no capim gordura da fazenda de um sonho ainda novo e que vira quando, em breve, seu pulsar gotejante adormecer. Vou mimbora pro risco de sol mais clarinho da calçada, aquele que se confundo com o desenho de amarelinha e vai parar no vestido da menina que atinge o céu. Vou mimbora porque nessa rua onde minha angústia dorme só se pode querer o que não se tem e o que te dão não pode ser tangido, nem por sonho, nem por beijo, nem por gole que dissolva o nó. Mimbora pra vender pedra por pedra do meu muro de carinho. Quem sabe cobrando caro a mercadoria ganhe valor. Morar lá dentro dos olhinhos meus quando criança que só choravam de dor de barriga ou de medo do bicho papão que nunca papava gente alguma. Lá dentro daquele mundinho verde e fugidio, me esconder na parte mais brilhante e ser confundida com tristeza quando alguém - quem sabe um dia - ouse olhar pronde realmente sempre estive, por trás da sombrinha amarela, no canto esquerdo de tudo, sentada na graminha molhada dos meus olhos.

°

domingo, agosto 17, 2008

"Esse silêncio todo me atordoa..."



"eu não sei se me fecho em silêncio também

ou se simplesmente te ignoro como quem imita as ações de um espelho..."


°
Baú - Mombojó
[Felipe S.]
No baú vai ser achado
A sua estrela renascerá
A janela tá aberta
A casa é sua, pode morar
Me falta alguém
Falta alguém trazer prazer
Durmo sempre no meu quarto sozinho
Esperando você chegar
A janela tá aberta
A casa é sua, pode morar
Pode também morar
Os dias vão me mostrando o que sei
Mas não quero acreditar
Não tenho sentimentos nem hora
Agora nada mais importa
Se nada me acalmar
Nada mais vai importar

quinta-feira, agosto 14, 2008

"... fracasso desmedido de achar que o certo é sempre uma boa intenção"

Há uma casa que reside em mim na qual eu não entro mais. Mantenho-me da porta pra fora; hora a esperar o giro da maçaneta, hora a temer o choro das dobradiças. Há uma casa que reside em mim da qual me expulsei por não comportar-me bem. Se havia pó, espanava. Se havia água, secava. Pratos na pia, lavava. Brinquedos no chão, guardava. Maldita mania de querer mudar a ordem do dia.
Com meu cavalinho na chuva, espero que seque. As folhas do quintal, espero que o vento varra. As ameixas do pé, espero que caiam. O sol que fere meus olhos, que queime mais.

quarta-feira, agosto 06, 2008

"Ainda somos os mesmos e vivemos..."


Pelega. Durante alguns momentos da tarde de ontem, pela primeira vez na vida, me senti uma pelega. Tive contato com o termo assim que entrei no Movimento Estudantil, há quatro anos. No principio era algo tão abstrato que eu não conseguia conceber: pessoa que trai seus ideais por lucro ou comodismo, negando-se a ver o que acontece a sua volta. Não é definição de dicionário, mas é assim que a prática define. Não, eu não me vendi nem traí nada. Foi só depois que a definição de pelegagem me veio à mente que a sensação da não prática me aliviou um pouco. Naquele momento eu não podia me punir por não acreditar mais numa causa, por não estar ali na rua, sob o sol, segurando faixas ou entregando panfletos como fiz tantas vezes. Minha garganta estava seca... “Nas ruas, nas praças, a luta não sumiu. Aqui está presente o movimento estudantil”, mas eu nem havia gritado. Meus olhos arregalaram, minha respiração perdeu completamente o ritmo habitual. Ainda do ônibus, reconheci algumas das mesmas pessoas na rua. As bandeiras de sempre, faixas com as mesmas frases de dois anos, carregadas pelas mesmas mãos. E por um breve instante era eu com o apito, rosto cheio de protetor solar, suor e crença por todo o corpo. Eu realmente acreditei no que lutava e enquanto cri, estive lá. O espaço de tempo foi muito breve. Apenas os segundos que levei para descer os degraus do ônibus e ganhar a rua apressada, torcendo para não ser vista por nenhum “camarada”. Novamente o sentimento de traição. Cabeça baixa pra não ver de frente. Mas agora eu estava traída. Traída pelo que acreditei. Não queria olhar nos olhos da luta pela qual me dei e que mentiu pra mim, que se mostrou – tão logo lhe declarei minha confiança – ineficiente e reacionária. Contra toda a tirania, os golpes e a opressão... Parecia irônico, mas a minha luta queria ter poder, queria mandar e ter notoriedade acima da causa. Já não se sabia o que vinha primeiro. Ordens e valores no chão ou pior, no bolso.
Não consegui enxergar nenhuma verdade pela qual abrir mão dos meus próprios interesses. Como muitos, segui na direção da rua que levava à minha vida. Só o que consegui ver, por trás dos rostos que me despertaram saudosismo, foram dois ou três lideres partidários, carros de som pagos pelo partido e uma massa de estudantes completamente perdidos e sem ter a real noção do que faziam ali. Eu não estou julgando levianamente. Já estive daquele lado, dos dois lados, apesar de não conhecer propriamente a realidade de representar uma legenda e a ideologia partidárias. Mas eu já vi com olhos pueris e maravilhados aquela coisa bonita nas ruas, todos parecendo tão unidos, realmente enganados e certos do que faziam. Já estive entre eles com direito a todos os sentimentos possíveis misturados e agitados numa bomba emocional caseira, arremessada em longas horas por longas avenidas.
Queria acreditar que existe outra maneira de se fazer mudanças. Será que não percebem que as regras mudaram? Em alguns momentos até parece outro jogo. Deve ter sido isso que vi; uma porção de peões rodando numa mesa de pôquer. O saldo concreto foi a perplexidade de uma população que está acostumada a aceitar calada - e que acreditar que essa é a melhor maneira de levar a vida não adiantará gritar nos seus ouvidos “Vem, vem, vem pra luta, vem!” Que luta? Se eles não sabem e não querem ouvir, não vai valer de nada todo o barulho do mundo. 2OO4, 2OO5, 2OO6, 2OO7... Quais foram as reais mudanças? Qual foi a real diferença que fizemos além de provocar a momentânea revoltas das pessoas que chegaram atrasadas no trabalho ou tiveram que esperar uma hora a mais pra pegar o ônibus e voltar pra casa, pagando a passagem mais cara, mas quem se lembra... “Ainda bem que esses moleques desocuparam as ruas”. Esses moleques parecem estar tão cegos de si mesmos que não percebem que não querem sua luta. Eu realmente estou traída. Minha luta não me deu em troca o que fiz por ela. Minha causa era pelega.

segunda-feira, agosto 04, 2008


Melhor não...
Levante-se da minha poltrona vermelha,
refaça as malas, recolha os livros da estante,
deixe só as molduras, os presentes e meus espaços.
Eu me perco muito fácil, muito rápido.
Escorro pelos bueiros e me mando pra nunca mais voltar.

quarta-feira, julho 30, 2008

e se você desse chance à esse tempo que passa...


Me faz ficar aqui pensando em você e some. Me põe idéias, vontades, conflitos e segue cuidando da própria vida. Era o que eu deveria fazer se tivesse uma vida. Silencia. Ninguém me tira do lugar por muito tempo sem soprar forte e constante. Se criamos saudades para nos fazer companhia, também podemos criar satisfação e contentamento com nossa vida de sombras. Mas nada é perene. E como a areia não para a não ser que se arremesse no chão a ampulheta , resta-me duas direções; partir antes da chegada ou forçar mais um passo para alguma direção.
O que eu busco em você e nessa historia que estou querendo inventar? O que eu busco em mim? Não consigo me apoiar no que sou porque não me encontro mais quando me busco. Eu estou criando alguém pra quem sabe poder novamente me apaixonar e mais uma vez não dar certo porque eu não encontro pessoas e relacionamentos reais e daí mais uma vez terei uma hemoptise verborrágica açucarada no princípio e que no fim terá gosto de chocolate amargo e cheiro de café requentado. Estou buscando algo que me faça mais uma vez ter toda a dor de viver nas pontas dos dedos. E se você lê-se isso poderia entender o quanto sou louca (a loucura que mencionei) e saltaria fora antes mesmo de entrar porque ninguém mais merece estar à procura de cortes pra escrever com o próprio sangue.
Ia te enviar isso, mas achei melhor por aqui, ao alcance. Você não acha mesmo esse lugar, não vem aqui, parece nem dar conta. Por alguns instantes eu me encantei, mas a solidão opera tantas coisas em nós. Sinto que me apaixono durante algumas horas. Me apaixono por você ou por uma odeia qualquer que tenha traços seus. Me apaixono por esse ‘meu você’ pouco antes de dormir. Durmo com ele e é a cada noite um ‘meu você’ diferente. Estou me tornando promíscua e a culpa é sua. Alguém que sequer beijei.

°
Ah, eu assisti o filme... Depois comento sobre isso. Ta fervilhando em mim.

domingo, julho 27, 2008



Meus cacos de vida no chão.
Venha de coturnos
ou vá pela outra rua.


°

quinta-feira, julho 24, 2008

Seria assim
Tão séria sua fisionomia
Caso o amor não lhe tivesse traído as ilusões?
Tão amargos os olhos
Destilando o fel que lhe envenena a alma?
Seria tão breve seu peito
Estreito lar em que não cabe mais?
Suas palavras estariam tão empedradas n’alma
Seriam tão frias e sem intenção?
Suas vontades seriam tão incertas
E tão sem pulso sua paixão?
Quereria recuperar a dor perdida
em troca de novamente não respirar?
Ela agora sente medo de não poder voltar
ao tão conhecido canto frio de parede
no qual parece não mais caber...
Seu corpo tenta encontrar posição,
suas palavras tentam sentir o sangue.
Morde os lábios, arranca os cantos dos dedos.
Não sangra mais por dentro.
Nenhum oceano que pudesse produzir
conseguira banhá-la como antes,
Como quando podia enlouquecer sem sequer
dar conta de como principiara o devaneio.
E ainda não desejava o fim. Mas o fim estava aqui.


°
Ele diz que há amor. Fala tanto em amor e eu nem sei o que é isso. É como receber um “fica com Deus” sendo ateu. Eu sou ateia de Deus e de Amor.
Acha que isso é literatura, poesia? Desde o início isso sempre foi apenas aflição... E nem eu mesma era capaz de entender. O que trazem meus dedos no escuro, com dor por tudo, a transformar tanto tédio e incoerência em mais tédio e incoerência gráficas.
Eu só queria que esse mar não carregasse ninguém pra tão longe. Eu não posso segurar por muito tempo. O sal, a água, fazem os dedos afrouxarem. Não sou caminho seguro, como posso ajudar um cego perdido? Há mesmo tempo certo pra eu poder me equilibrar antes de me arremessar novamente? Ninguém da resposta as nossas mais aflitas perguntas. E quando eu explodir novamente, as pessoas normais as quais tentei me integrar sentirão pena e cumprirão seu papel de humanidade... Seremos mais dois loucos comento poeira de estrelas num bloco de carnaval.

quarta-feira, julho 23, 2008




Se endireito-me,
esquerdamente vou para trás.
Se penso prosseguir,
Permaneço penso,
entre um lado e outro,
longo tempo a decidir.
E quando marco em ponto,
a fuga já é velha
e meu aparelho, desmontado.
Marca sempre atrasado o ponteiro.
E quando não inteiro,
meio parado.
O passo adiante ultrapassa,
alcança a pressa com língua de fora.
Conversa fiada,
matando tempo,
puxando no fio de prosa
a hora morta
do dia adiante.
Com o tempo nas mãos,
passa de um lado pro outro
da ampulheta
a areia das horas contadas.
Carolina Miquelassi


sexta-feira, julho 11, 2008



Bate estaca mental.
Esquizofrenia sanguínea.
O coração?
No chão!
Na boca?
A mão!
No peito?
Aquele trecho da música que cantamos no por - do - sol.
E no pulso
a marca do beijo,
desenxabido desejo que partiu mais depressa que a luz.
No fim da rua
um poste,
lâmpada
queimada.
Poça d’água.
Escorregão.
Carolina Miquelassi


domingo, julho 06, 2008

Quanto menos, menos.


Seja por si só, sozinho.
Mas não dê por entender isso à ninguém.
Todos, mais cedo ou mais tarde, te deixarão na mão,
embora todos, igualmente, adorem dizer que estão aqui “pro que der e vier”.
Não é culpa deles, não é culpa de ninguém...
Não subverta a ordem
[ que na verdade não há ],
mas se quiser mudá-la, tornar-se-á inteiramente responsável por todo o caos existente.
Aceite, sorria, cale, mas não tanto.
Tens de saber as doses dos outros.
Pra não parecer (aos outros), passivo, bobo, arrogante ou estranho.
Eles podem ser, podem tudo.
Mas apenas eles.
A impressão é esta mesmo; de que todos sabem a regra do jogo menos você.
Está no lugar certo, mas segundos antes da hora marcada.
Não serve.
Tem que saber chegar,
mesmo que ninguém tenha te dito nada sobre isso.
Tem de saber!
Precisa saber que decisões tomar.
Porquê, certas ou erradas, irão te culpar por tê-las tomado, ou não.
Não diga que vai,
promessa (suas), quando não cumpridas, deporão contra você.
Muito menos dê certeza de não comparecer
Mais de três vezes certa e nunca mais te convidarão.
Nunca, em hipótese alguma, seja a primeira a dar opinião.
Se for negativa, vão dizer que reclama de tudo.
Se for positiva, darão um jeito de voltá-la contra ti.
Seja, ou não seja.
Mas só quando for pra ser.
Quando?
Não espere que alguém lhe diga.
Todos acham que já deves saber.

°
“I like it in the city
When two worlds collide

You get the people

And the government

Everybody taking
Different sides”
Adele

segunda-feira, junho 30, 2008

Retrocesso lírico, etílico e sentimental.

Carta sem destinatário, remetente ou endereço certos, depositada num envelope sem selo, guardado embaixo da fronha de um travesseiro...

“Detesto quando pareço, em tua presença, hesitante.
Não saber o que eu digo, não dizer o que quero,
Por não ter certeza de querer.
Logo eu que sempre pareci saber muito bem o que querer
Encontro-me agora afundada numa banheira de medo,
A água fria até o queixo, todo o corpo a tremer.
Acontece que comigo agora cada dor fala mais alto diante da minha própria voz.
Não queria te ouvir dizer pra eu não ter medo.
Queria que me pudesse mostrar que o medo é pouco perto do que tem pra mim.
Eu queria poder entender...
Estranho é eu não deixar que entre
E algo teu já existir aqui
Algo além da pura lembrança
Algo que parece lembrança do que nunca existiu.
O que eu quero mesmo, o que preciso
É que me queira com sofreguidão
Que lute por mim com a paciência e a determinação
De um monge em busca de paz interior.
Pra me apaixonar tem que chegar do nada
E tomar conta de tudo antes mesmo que eu note a sua presença
Tomar-me de surpresa e no ímpeto de um beijo
Dissolver na boca todo o meu medo.
Teria que ser mais forte que o meu pavor,
Maior que minha dor
Mais conturbado que minhas lembranças
E mais incerto que meus tempos verbais.
A única certeza que necessitas ter
É a de me querer conquistar
De me querer ao lado e não me deixar,
Não permitir transparecer que existiu vida
Antes de nós...
[ Embora os amores perdidos já me tenham mostrado
Que essa certeza não há, e você também já deve saber... ]
Tudo isso era que deveria te dar também.
Isso – teus olhos mostram – é o que procuras nos meus.
Como te oferecer o que busco fora?
Como encontrar em mim o que não me dás?
Não são versos o que escrevo agora
Não tenho mais a menor intenção de rimar.
Preciso de uma palavra pra poder ter certeza
Do que posso e consigo sentir ainda
Como que um sopro de vida – mesmo que já vivida.
Mas quando dois têm medo, difícil pra um acreditar.”

°
Eu não sei quem escreveu...

E a propósito, sou uma recém graduada em Letras.
Por enquanto, não me pergunte o que penso a respeito...