Danae

Danae
Klimt, Gustav

quinta-feira, agosto 28, 2008




Lapsos recordativos passados, futuros, com um insistente intervalo reticente

Minha paixão usa batom vermelho e sai pela madrugada a procura de uma dose dupla de gim e algo para esquecer. Minha paixão lambe a própria orelha enquanto adormece. Cala-me indecências molhadas que não posso me negar a ouvir. A paixão tortura-me às lágrimas e não me deixa descansar. Gasta meus dedos em pulsares frenéticos e exaustivos, queima a chama de meus olhos em escuridões poluídas de abandono.

Carolina Miquelassi

domingo, agosto 24, 2008

Nos dias em que não consigo ser eu perante os outros,
enfio-me por dentro...
por dentro de mim, dentro do meu quarto,
pra dentro das minhas palavras compostas de grandes lapsos sentimentais,
vazios de areia e silêncios arrependidos.

Carolina Miquelassi

quinta-feira, agosto 21, 2008


O menino brinca defronte ao portão.
Poucas meias-dúzias contam sua vida,
um doce numa das mãos,
na outra os dedos abertos, estendidos pra mim.
............................................................
[- A poesia voltou
E eu dei por conta a sua chegada.
Não foram os sons dos passos pequenos em correria
Foi algo em mim que queimava
Foi algo em mim que se ria.]
.............................................................

Do lado de lá do portão
o menino – brincadeira – desafia
o limite da passagem bloqueada,
brinca de querer entrar em mim.
Segurado as firmes grades de ferro soldado,
hora a ir, hora a voltar,
jogando, matreiro e ingenuamente
cartadas de sorriso a me provocar.
Estende os bracinhos por entre os espaços
e parece conseguir me tocar.
A pele esquenta, arrepia, umedece...
Num estalo!
A tranca, já descerrada,
parece só aguardar
o instante da invasão autorizada.

Carolina Miquelassi
21.08_01:23

segunda-feira, agosto 18, 2008

O que você saberia se demorasse um pouco mais o olhar
Quer saber, vou mimbora pra terra dos não desejos. Pro paço onde meus tic-tacs não marquem o tempo que já é muito tarde. Vou pro chão de terra batida onde cada ponteiro desenhado na parede não simbolize um adeus cravado no meu pulso, desenhado em linha horizontal por puro desconhecimento do método. Vou procurar a instância que me resguarde a devida distancia de desventuras abrasadas. E o ar que eu venha inspirar seja matutino e transparente de solidões distantes. E leite que eu venha beber me inunde e reaqueça por dentro como aquele das tetas que derramaram por mim o único sentimento que me pode fazer criança. Essa agonia baiana quer se poluir da água doce mineira. Essa psicodélica urbana quer se embrenhar no capim gordura da fazenda de um sonho ainda novo e que vira quando, em breve, seu pulsar gotejante adormecer. Vou mimbora pro risco de sol mais clarinho da calçada, aquele que se confundo com o desenho de amarelinha e vai parar no vestido da menina que atinge o céu. Vou mimbora porque nessa rua onde minha angústia dorme só se pode querer o que não se tem e o que te dão não pode ser tangido, nem por sonho, nem por beijo, nem por gole que dissolva o nó. Mimbora pra vender pedra por pedra do meu muro de carinho. Quem sabe cobrando caro a mercadoria ganhe valor. Morar lá dentro dos olhinhos meus quando criança que só choravam de dor de barriga ou de medo do bicho papão que nunca papava gente alguma. Lá dentro daquele mundinho verde e fugidio, me esconder na parte mais brilhante e ser confundida com tristeza quando alguém - quem sabe um dia - ouse olhar pronde realmente sempre estive, por trás da sombrinha amarela, no canto esquerdo de tudo, sentada na graminha molhada dos meus olhos.

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domingo, agosto 17, 2008

"Esse silêncio todo me atordoa..."



"eu não sei se me fecho em silêncio também

ou se simplesmente te ignoro como quem imita as ações de um espelho..."


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Baú - Mombojó
[Felipe S.]
No baú vai ser achado
A sua estrela renascerá
A janela tá aberta
A casa é sua, pode morar
Me falta alguém
Falta alguém trazer prazer
Durmo sempre no meu quarto sozinho
Esperando você chegar
A janela tá aberta
A casa é sua, pode morar
Pode também morar
Os dias vão me mostrando o que sei
Mas não quero acreditar
Não tenho sentimentos nem hora
Agora nada mais importa
Se nada me acalmar
Nada mais vai importar

quinta-feira, agosto 14, 2008

"... fracasso desmedido de achar que o certo é sempre uma boa intenção"

Há uma casa que reside em mim na qual eu não entro mais. Mantenho-me da porta pra fora; hora a esperar o giro da maçaneta, hora a temer o choro das dobradiças. Há uma casa que reside em mim da qual me expulsei por não comportar-me bem. Se havia pó, espanava. Se havia água, secava. Pratos na pia, lavava. Brinquedos no chão, guardava. Maldita mania de querer mudar a ordem do dia.
Com meu cavalinho na chuva, espero que seque. As folhas do quintal, espero que o vento varra. As ameixas do pé, espero que caiam. O sol que fere meus olhos, que queime mais.

quarta-feira, agosto 06, 2008

"Ainda somos os mesmos e vivemos..."


Pelega. Durante alguns momentos da tarde de ontem, pela primeira vez na vida, me senti uma pelega. Tive contato com o termo assim que entrei no Movimento Estudantil, há quatro anos. No principio era algo tão abstrato que eu não conseguia conceber: pessoa que trai seus ideais por lucro ou comodismo, negando-se a ver o que acontece a sua volta. Não é definição de dicionário, mas é assim que a prática define. Não, eu não me vendi nem traí nada. Foi só depois que a definição de pelegagem me veio à mente que a sensação da não prática me aliviou um pouco. Naquele momento eu não podia me punir por não acreditar mais numa causa, por não estar ali na rua, sob o sol, segurando faixas ou entregando panfletos como fiz tantas vezes. Minha garganta estava seca... “Nas ruas, nas praças, a luta não sumiu. Aqui está presente o movimento estudantil”, mas eu nem havia gritado. Meus olhos arregalaram, minha respiração perdeu completamente o ritmo habitual. Ainda do ônibus, reconheci algumas das mesmas pessoas na rua. As bandeiras de sempre, faixas com as mesmas frases de dois anos, carregadas pelas mesmas mãos. E por um breve instante era eu com o apito, rosto cheio de protetor solar, suor e crença por todo o corpo. Eu realmente acreditei no que lutava e enquanto cri, estive lá. O espaço de tempo foi muito breve. Apenas os segundos que levei para descer os degraus do ônibus e ganhar a rua apressada, torcendo para não ser vista por nenhum “camarada”. Novamente o sentimento de traição. Cabeça baixa pra não ver de frente. Mas agora eu estava traída. Traída pelo que acreditei. Não queria olhar nos olhos da luta pela qual me dei e que mentiu pra mim, que se mostrou – tão logo lhe declarei minha confiança – ineficiente e reacionária. Contra toda a tirania, os golpes e a opressão... Parecia irônico, mas a minha luta queria ter poder, queria mandar e ter notoriedade acima da causa. Já não se sabia o que vinha primeiro. Ordens e valores no chão ou pior, no bolso.
Não consegui enxergar nenhuma verdade pela qual abrir mão dos meus próprios interesses. Como muitos, segui na direção da rua que levava à minha vida. Só o que consegui ver, por trás dos rostos que me despertaram saudosismo, foram dois ou três lideres partidários, carros de som pagos pelo partido e uma massa de estudantes completamente perdidos e sem ter a real noção do que faziam ali. Eu não estou julgando levianamente. Já estive daquele lado, dos dois lados, apesar de não conhecer propriamente a realidade de representar uma legenda e a ideologia partidárias. Mas eu já vi com olhos pueris e maravilhados aquela coisa bonita nas ruas, todos parecendo tão unidos, realmente enganados e certos do que faziam. Já estive entre eles com direito a todos os sentimentos possíveis misturados e agitados numa bomba emocional caseira, arremessada em longas horas por longas avenidas.
Queria acreditar que existe outra maneira de se fazer mudanças. Será que não percebem que as regras mudaram? Em alguns momentos até parece outro jogo. Deve ter sido isso que vi; uma porção de peões rodando numa mesa de pôquer. O saldo concreto foi a perplexidade de uma população que está acostumada a aceitar calada - e que acreditar que essa é a melhor maneira de levar a vida não adiantará gritar nos seus ouvidos “Vem, vem, vem pra luta, vem!” Que luta? Se eles não sabem e não querem ouvir, não vai valer de nada todo o barulho do mundo. 2OO4, 2OO5, 2OO6, 2OO7... Quais foram as reais mudanças? Qual foi a real diferença que fizemos além de provocar a momentânea revoltas das pessoas que chegaram atrasadas no trabalho ou tiveram que esperar uma hora a mais pra pegar o ônibus e voltar pra casa, pagando a passagem mais cara, mas quem se lembra... “Ainda bem que esses moleques desocuparam as ruas”. Esses moleques parecem estar tão cegos de si mesmos que não percebem que não querem sua luta. Eu realmente estou traída. Minha luta não me deu em troca o que fiz por ela. Minha causa era pelega.

segunda-feira, agosto 04, 2008


Melhor não...
Levante-se da minha poltrona vermelha,
refaça as malas, recolha os livros da estante,
deixe só as molduras, os presentes e meus espaços.
Eu me perco muito fácil, muito rápido.
Escorro pelos bueiros e me mando pra nunca mais voltar.