Danae

Danae
Klimt, Gustav

quarta-feira, outubro 29, 2008




Através das palavras que ele acabara de lhe dizer, pode perceber o quanto estava equivocada sobre quase tudo em sua vida, a começar por essa mesma capacidade de avaliar o certo e o errado. O que queria enxergar como cura era tão somente uma fuga covarde da realidade. Sem dúvidas que precisava refletir, curar, reaprender. Sobretudo seu conceito de aprender. Aprender a amar. Amar sem tanta dor, sem que pareça um eterno roçar de feridas em carne viva, sempre expostas. Mas haveria tempo para tudo? Curar, secar, amar e, sobretudo saber se é capaz de amar? E depois de descobrir...

Preciso aprender que lugar de caneca de café é longe do teclado do computador.
Por enquanto vou sentindo cheirinho de café frio enquanto digito...

sexta-feira, outubro 24, 2008


Descobri que o que me faz pensar ser poeta nunca foi a paixão e sim a dor


Lanço a taça de cristal contra a parede
Com medo que me quebre nas mãos
e os cacos me cortem por cima das cicatrizes.

Lanço a taça contra a parede e choro sobre os cacos “derramados”.
Lanço a taça contra a parece e me consolo com o sangue
entre os cacos, entre as mãos.

Mais cicatrizes,
mais cacos,
menos taças,
mesmas mãos.

Carolina Miquelassi



Quem colocou esse muro
onde ontem
havia um abraço?
Decerto eu o ergui
com gestos mudos e herméticos
compostos pelas palavras que me vieram à boca,
mas não disse.
Esqueço-me que a matéria das coisas todas
é muito diversa da minha
matéria de sombra e sal
na qual tudo que se cala
ganha maior gosto e relevância,
cresce na forma e agiganta-me,
mas deforma o sentido do olhar.
Quem colocou esse muro
onde ontem
havia um abraço?
Decerto eu...

Carolina Miquelassi

terça-feira, outubro 21, 2008



Não poder sentir

sob hipótese alguma

o sangue nas veias gélidas,

o sorriso petrificado nos cantos da boca,

o coração a bombear instintivo,

sem sobressaltos

ou qualquer descompasso.

Enfim a dor latente,

a dor de não sentir

o dor de não doer,

a dor de não viver inteiro

e inteiramente ser

apenas

a dor

do nada.

E já não dói,

mas há o frio repuxar

do músculo inerte,

da carne exposta

em contato com o ar

que parece que anuncia:

velas no peito

um cadáver a respirar.


Carolina Miquelassi


°

Qualquer semelhança com minha vida real, rogo que seja mera coincidência.

domingo, outubro 12, 2008



Meninos, homens, mulher ao meio. Sinto-me docemente confusa. A vida, quando vivida, nos ensina a cada dia sobre como podemos ser, nunca sobre como somos, porque não me parece que permanecemos por muito tempo iguais a ponto de podermos dizer por tempo maior que a duração da frase dita – Eu sou!
Percebo certezas expressadas em rostos, palavras, atitudes alheias e sigo a me perguntar se tudo que vejo é simulação ou se sou eu a única a permanecer sem convicção alguma. Tudo me é alvoroçadamente mutável. Mal respiro sendo quem fui e já não sei o que posso estar sendo quando pensei que era e já não há o que ser...
Como posso esperar do mundo – tão perecível – segurança e sensações permanentes se sou prova cabal da ineficiência dessa tentativa de permanecer? E um estalo seco como galho que se quebra com peso de macaco gordo, a única permanência possível é a da contínua transformação. Mas claro, sei bem... Eu não descobri essa pólvora. Alguém certamente já proferiu tal pensamento brilhante. Alguém certamente já pensou também estar sendo o primeiro a tê-lo e a sentir-se assim. Todos humanamente enganados e repletos de certezas transformadoras. Como somos jocosamente previsíveis mesmo nunca nos sabendo agora.

Carolina Miquelassi

quinta-feira, outubro 09, 2008



fugit, fugit...


O tempo presente se alonga.
Vive-se sem fim. Sem fundo.

Não corre, pois é
corrido. Corroído,
seguro pela fé(rugem).

Longo presente vivido,
curt(id)o. Ao sabor do vento

o tempo. Transpassa
o passado, mas não enlaça
as mechas do porvir.

Viver o tempo metade
Pra não perder sua areia
Segura na mão – saudade –
perdida no meio dos dedos
vertida no meio dos medos
de não viver de verdade

Carolina Miquelassi

PS:

O poema acima foi descaradamente e consentidamente plagiado

do poema Num sopro II.

E no dia de hoje ele me (re)caiu como uma luva cheia de formigas lava-pé.