O corpo apodrecia há dias na cadeira onde sua vida dera o último suspiro.
Não o havia enterrado por questões sentimentais. Tanto tempo de vida juntos, de apego...
Acreditava não poder viver com aquela ausência. Então o deixaram ali até se habituar à idéia da perda.
A presença física lhe causava horas repulsa horas um estranho conforto - ter morto e presente o que se deseja vivo acima de tudo.
Com o passar de semanas não conseguia mais desejá-lo ali. Apesar da saudade, a presença tornara-se insuportável. No entanto não tinha a coragem necessária para fazer o que devia ser feito. Mover o cadáver, remexer, catar pedaços, limpar as manchas, providenciar todas as formalidades... Reviver o dia da morte enfim.
De certo que não era mais o mesmo, sem suas observações peculiares, respostas engraçadas e a ranzinzice de costume.
Um dia, amanhecera e ele não estava mais lá. Ao despertar já sentira a ausência de seu odor.
Com a pá do jardim, deu cabo de sua própria existência.
Carolina Miquelassi
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16.11