Danae

Danae
Klimt, Gustav

quinta-feira, novembro 25, 2010

Epitáfio



Estou no chão, onde os pedestres caminham, mas não há nenhum. Estou inteiramente nua, e não há mais nada que eu possa tocar além do meu corpo e das pedras frias do calçamento. Não há vazio, apenas frio, um gelo invisível que me cobre inteira. E por mais que me vire, por mais que me encolha, nada aquece.
Esse frio me conservará, mas em que formato? Que matéria serei depois que isso passar. Porque a gente sabe que passa, né!? A que reino pertencerei? Por enquanto sou um misto de pedra que chora e vegetal que vaga. Esta morte era iminente. Como toda morte o é.
Não sei o que devo dizer. Já não sei mais... Faz tempo. Nunca sabemos muito o que falar diante da morte. Nada parece ser relevante.
O que quero dizer é que eu não voltarei mais aqui. Aquela que escrevia aqui, nunca mais voltará. Ela já não sou mais eu e eu estou partindo pra ser alguém um dia e tenho muito medo de quem serei. O medo vem da extrema liberdade da qual estou de posse agora. A liberdade que pensava sempre ter desejado, mas no momento em que menos quis, ela me foi dada. Atirada como uma granada em mim. A sensação que mais me aterroriza desde criança é a que carrego comigo agora. A palavra que sempre me deu mais pavor, muito mais do que MORTE. Estou AMPUTADA. Sinto-me AMPUTADA de mim mesma.
Embora eu saiba agora que tudo possa voltar a fazer sentido um dia, que na verdade tudo faz sentido agora, só eu que não posso ver... Apesar disso, não consigo aceitar este sentido que se faz. Por isso é tão difícil, como nunca antes, como nunca imaginei, como nunca quis que fosse.
Estou carregada de liberdade, mas ela me pesa, porque ainda não sei usá-la. É como um cartão do qual não possuo a senha.
Nunca quis tanto estar errada. Nunca quis tanto que algo não fosse o que eu acredito ser.
Eu não posso parar, mas não sei como estou seguindo. Não posso, definitivamente, cair, porque nunca tive tanta certeza que não haverá braços pra me levantar, além dos meus próprios, que no momento não consigo sentir.

Se algum dia voltarei a visitar este local... Não sei. Se construirei um dia um outro...
Não sei de nada. Estou, absolutamente, aprendendo tudo como se nunca tivesse vivido antes. E como é difícil nascer, parir-se sozinho, fazer força para expulsar e ao mesmo tempo se aparar pra não cair no chão, novamente... Do ponto de partida, mas de um desconhecido. Nada mais será como antes.

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